sábado, 27 de outubro de 2007

No dentista (2) - A dentadura emocional

Saiu uma senhora do consultório. O marido a esperava na sala de espera (o marido é o mesmo homem que foi ao vento e perdeu o assento - leia o post anterior a esse).
A senhora sentou-se, os dois conversam rapidamente e o marido levanta. Bate na porta do consultório, bem perto de onde eu estava sentado. Fala qualquer coisa para a dentista e aguarda. E recebe em seguida, sorridente, um guardanapo branco, com alguma coisa dentro. Guarda no bolso e senta novamente ao lado da mulher.
É o que você está pensando, sim. Era exatamente o que eu pensei na hora. Bingo! Ele pediu o dente que a mulher acabara de "perder" numa extração. A esposa queria o dente. "É meu, vou levar para a casa", é o que ela deve ter pensado.
Será que aquela senhora encara o dente como um filho que é arrancado de dentro dela e ela tem que levar para casa numa manta-guardanapo? Vai cuidar dele? Se ele tiver dor, vai levá-lo ao dentista? Quem cuida de dor de dente é dentista, certo?
Confesso que pouca coisa atualmente me surpreende, mas isso me surpreendeu. Principalmente depois de saber, pela dentista, que é muito comum isso acontecer. Muita gente que arranca o dente pede o dito cujo e leva.
Mas por que, meu Deus? Qual é a utilidade de um dente fora da boca? Um dente fora da boca é um peixe fora d'água. É só para guardar? Onde esse gente coloca o dente? Na gaveta? Na estante, para as visitas admirarem? ("Mas que molar bonito, hein!"). Elas dão de presente para alguém?
Será superstição? Apego a um "bem"?? Ou amor por um "ente querido"? O ente querido, quando nos é arrancado, nós deixamos no cemitério e ficamos com as lembranças. Pois tem gente que leva os dente para casa. Será que eles são velados?
São mistérios difíceis de serem explicados. E eu não estou aqui para patrulhar ninguém. Quem quiser continuar com seus dentes, mesmo fora da boca, que continue. Um, dois, três, quatro, não tem problema. Cada um tem o direito de ter a sua dentadura emocional. Nos arrancam tanta coisa, tanta coisa que a gente queria levar para casa e guardar na gaveta, na estante, no coração...
Por isso, não cabe aqui nenhuma condenação a quem leva os seus dentes para casa. Algum sentido deve haver. Alguma utilidade deve existir.
Uma vantagem é clara: um dente fora da boca não precisa ser escovado. Menos despesa, né?




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