sábado, 7 de março de 2009

O jornalismo que não faz fumaça de verdade



A discussão está na ordem do dia: os jornais vão sobreviver? Qual será o futuro do jornal impresso? Não vamos mais ter jornais de papel para embrulhar peixe e para os cachorros fazerem xixi?

Particularmente acho sem fundamento a previsão catastrófica de que os jornais impressos vão desaparecer. Mas os jornais impressos estão perdendo algumas chances de se tornarem mais interessantes. E cometem esse pecado por não avaliarem que COISAS INTERESSANTES podem ser MAIS INTERESSANTES do que a "pauta oficial".

Um exemplo é a edição da Folha de São Paulo do dia 15 de fevereiro último, um domingo. A capa do jornal destacava uma matéria sobre os melhores médicos de São Paulo, uma (bela) entrevista com Daniel Filho, uma matéria sobre escolas de samba, chamadas dos cadernos ("Mais", caderno de veículos e de empregos) e as manchetes "factuais" (esse termo precisa ser reavaliado): calote de empresas aumenta crise nos Estados Unidos, a brasileira que mentiu na Suíça, uma manchete sobre regiões do Brasil que crescem apesar da crise econômica (esta poderia até ser maior, pois isso é uma novidade interessante). Enfim, uma capa normal no panorama atual do jornalismo brasileiro. Sem erros, uma boa capa. Aí tive uma grande surpresa ao dar uma olhada no sisudo caderno "Mais".

O "Mais" trazia um artigo traduzido da revista "New Scientist" sobre o cigarro eletrônico. Você sabia que isso existia? Confesso a minha total ignorância até então. Um aparelho inventado na China que tem forma de cigarro, mas que não tem tabaco. Dentro dele há nicotina misturada com a mesma substância presente nas máquinas de fumaça de danceteria. Você traga, um sensor aciona o dispositivo e o "cigarro" solta "fumaça". Ainda não está provada cientificamente a eficácia do "brinquedo" no combate ao vício. Foram vendidas 300 mil unidades em 2008 segundo o artigo.

Isso é novidade????? Para mim foi uma grande novidade. É razoável que seja para muitas pessoas, certo?

Será que algumas das manchetes "factuais" da Folha não mereceriam cair para uma bela chamada na capa sobre uma das COISAS MAIS INTERESSANTES que a edição trazia naquele domingo? Se o jornal publicou o artigo, por que não deu uma grande matéria sobre o assunto?

Entrevistas com médicos, psicólogos, especialistas em dependência química, fumantes inveterados, ex-fumantes. Tem assunto para uma página, daria para fazer um carnaval! Uma página que surpreenderia os leitores. Uma página sobre algo que, penso eu, é novidade para muitas pessoas. Uma página que nos ajudaria a entender um pouco o mundo cada vez mais artificial em que vivemos.
Tem gente fumando cigarro de plástico que solta fumaça de danceteria! Isso não é notícia??? Isso não é "factual"?????

Na edição deste sábado (28 de fevereiro) do jornal Extra, outro exemplo. Uma pequena nota sobre um síndico de São Paulo. Ele entrou na Justiça para proibir condôminos inadimplentes de usarem algumas áreas do prédio.
Notinha? Isso não é capa??? Um assunto que interessa a muita gente, que gera discussão na esquina, no bar, é um desdobramento novo para um problema que atinge muita gente, é polêmico. É factual!! É fato, é coisa que mexe com a vida das pessoas!
Podemos achar em cada jornal notinhas que poderiam ser capas. Coisas interessantes que poderiam render matérias interessantes, mas que estão lá, escondidas pois não conseguem passar pela hierarquia da confusa definição do que é importante para os jornais atuais.

Jornal é saber + sabor. E isso vale para outros veículos também. Essa receita tem um ingrediente simples: OUSADIA.

Certa vez um diretor de redação da revista "The Economist" foi perguntado sobre qual era a receita de sucesso da publicação, uma das mais influentes do mundo. Ele respondeu que é necessário surpreender o leitor com coisas que ele nem imaginava que existissem.

Os leitores vão continuar a ler jornal se nele tiver tabaco de verdade para ser queimado. Eles querem tragar. E continuarão segurando aquele papel sujo cheio de letras se sentirem prazer, mesmo que o preço aumente e a mão fique suja. Todo prazer tem um preço, certo?

O jornalismo, de uma forma geral, não só o impresso, precisa fazer fumaça de verdade.




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